O PENSAMENTO ACIMA DA TÉCNICA

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4º Princípio

O pensamento acima da técnica

Um dia, o famoso mestre espadachim do século XVI, Tsukahara Boduken, decidiu testar a capacidade dos seus filhos. Primeiro, chamou o primogênito, Hikoshiro, para o seu quarto. Ao empurrar a porta com o cotovelo para abri-la, Hikoshiro notou que ela parecia mais pesada que o habitual e, correndo a mão ao longo da sua borda superior, encontrou e removeu um pesado apoio de cabeça feito de madeira deixado ali, recolocando-o cuidadosamente no devido lugar depois de entrar no quarto.

Boduken, então, chamou o segundo filho, Hikogoro. Quando Hikogoro, sem desconfiar de nada, empurrou a porta, o apoio de cabeça caiu, mas ele mais que depressa o pegou e o devolveu ao seu lugar de descanso original.

Então Bokuden chamou o terceiro filho, Hikoroku. Quando Hikoroku, que de longe ultrapassava os dois irmãos mais velhos em habilidade técnica, escancarou energicamente a porta, o apoio de cabeça caiu e bateu no seu topete. Em uma ação reflexa, Hikoroku sacou sua espada curta à cintura e cortou em dois o apoio de cabeça antes que batesse na esteira de tatame no chão.

Boduken disse aos filhos: “Hikoshiro, o único que pratica o nosso método do manejo da espada é você. Hikogoro, se você se exercitar e não desistir, algum dia poderá alcançar o nível do seu irmão. Hikoroku, no futuro você seguramente causará a ruína desta casa e trará vergonha para o nome do seu pai. Não devo ter alguém tão imprudente quanto você em casa”. E com isso ele deserdou Hikoroku.

Essa história exemplifica o princípio segundo o qual nas artes marciais as faculdades mentais são mais importantes do que a técnica. Aquelas se sobrepõem a esta última.

Outra história bem conhecida pode ser citada para ilustrar o princípio do “pensamento acima da técnica”. Entre os discípulos de Bokuden havia um homem com uma habilidade técnica extraordinária. Um dia, caminhando pela rua, aconteceu de esse discípulo passar por um cavalo muito arisco, que de repente o escoiceou; mas o discípulo imediatamente se virou, evitando o golpe e escapando ileso da agressão. Os espectadores que testemunharam o incidente comentaram: “Ele bem mercê ser considerado o maior discípulo de Bokuden. Se Bokuden não legar os seus segredos a ele, seguramente não legará a mais ninguém”.

Bokuden, porém, quando ouviu falar do incidente, ficou desapontado e declarou: “Eu me enganei com ele”, e expulsou o discípulo da escola.

As pessoas não conseguiram entender o raciocínio de Bokuden e concluíram que não poderiam fazer nada além de observar o medo como o próprio Bokuden se comportaria em circunstância semelhantes.

Para tanto, as pessoas amarraram um cavalo extremamente sensível a uma carroça deixada pela rua pela qual sabiam que Bokuden passaria por ali e ficaram observando-o secretamente de longe. No entanto, eles viram Bokuden passar, conservando uma boa distância do cavalo e atravessando a rua do outro lado.

Surpresas com o resultado inesperado, as pessoas, mais tarde, acabaram confessando o seu ardil e perguntando a Bokuden a razão da súbita dispensa do discípulo.

Bokuden respondeu: “Uma pessoa com uma atitude mental que lhe permite passar negligentemente por um cavalo sem considerar que o animal possa recuar para cima dela é uma pessoa perdida, não importa o quanto estude a técnica. Pensei que ele fosse uma pessoa muito mais ajuizada, mas me enganei”.

Fonte: Os vinte princípios do Karatê – O legado espiritual de um mestre

 

 

 

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